domingo, 16 de março de 2014


Nascida da Semana de Arte Moderna de 22 e de seus antecedentes estéticos e ideológicos, a primeira geração de escritores modernistas corresponde fundamentalmente ao grupo protagonista desses eventos. Foi meta privilegiada sua a elaboração e execução de um projeto estético de arte brasileira, com “brasilidade”.
Confira o contexto histórico do surgimento do modernismo.

Traços estéticos e temáticos:
A essa primeira geração, também, convencionalmente, denominada “heroica”, coube, portanto, estabelecer os novos paradigmas de arte. Assim, a missão a que seus autores se propunham era solapar os pilares da arte acadêmica tradicional “importada” da Europa ao longo dos anos, numa postura carregada de iconoclastia e que se pretendia fundante da verdadeira arte brasileira.

Assim, é central à literatura modernista dessa geração a proposição de uma estética poética que transgrida, em forma e conteúdo, os limites das, até então, escolas tradicionais, como bem demonstrado e simbolizado no poema seguinte:

Nova Poética (Manuel Bandeira)
Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito,
Saí um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:
É a vida

O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.

Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade.

É exemplarmente observável no poema acima uma nova representação formal em que a métrica, a versificação, as rimas se fazem livres, tal qual o próprio conteúdo poético.
Também é relevante no modernismo a instituição do simples, do prosaico, do cotidiano na temática literária, mesmo que trazendo consigo reflexões, de fundo, complexas.

Porquinho-da-Índia (Manuel Bandeira)
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração eu tinha
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não se importava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.

Nesse poema, deparamos com a tradicionalíssima temática do relacionamento amoroso enquadrado em situações absolutamente inovadoras, contendo, entretanto, reflexões profundas sobre frustrações, expectativas, imagens que se constroem do amor.

Outra característica do modernismo é a revisão crítica de nossa história, com especial atenção e contraposição à idealização indianista romântica.
Erro de português (Oswald de Andrade)
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
Observa-se aí crítica à própria gênese de nosso processo colonial e sua posterior historicidade, atentando-se ainda à oportuna ambiguidade, intencionalmente, ostentada no título.

Outras características observadas na primeira fase do movimento modernista:
- a valorização do linguajar brasileiro espontâneo, em detrimento de uma visão de linguagem elitista.
- o uso enfático do humor, da ironia e do sarcasmo.
- o questionamento do status quo.
O compromisso do Modernismo nessa geração heroica era destruir para, a partir daí, apresentar o novo.
MANIFESTOS
Abaporu, de Tarsila do Amaral (1928) (Foto: Reprodução)Abaporu, de Tarsila do Amaral (1928) (Foto: Reprodução)
Seguindo a lição das Vanguardas Europeias, os manifestos e revistas foram importante instrumento de divulgação artístico-ideológica de grupos de escritores modernistas. Os de maior impacto foram: 
Movimento Pau-Brasil: raiz do movimento antropofágico, alicerçado em Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, propunha uma postura primitivista e inovadora na poesia, rejeitando o discurso poético retórico.
Movimento Verde-Amarelo/ Grupo da Anta: identificado com Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Plínio Salgado, constituiu-se como um grupo de preocupações artísticas patrióticas e ufanistas, propondo-se a uma contraposição ao Movimento Pau-Brasil. A anta era seu símbolo. 
Movimento Antropofágico: tendo Oswald de Andrade como principal expoente, aprofunda as proposições do Pau-Brasil, propondo uma língua literária “não catequizada”.
Houve ainda as revistas Klaxon, veículo de informação geral dos artistas modernistas, no período subsequente à Semana de Arte Moderna, e a Antropofágica, ligada ao movimento homônimo.
PRINCIPAIS AUTORES
Há de se considerar, nessa primeira geração, um claro predomínio da poesia sobre a prosa, em volume de produção. Contudo, dos principais autores, embora outros a tenham produzido com menor destaque, destacamos a prosa Mário de Andrade e Alcântara Machado. 
- Mário de Andrade (1893-1945)
- Oswald de Andrade (1890-1954)
- Manuel Bandeira (1886-1968)
- Alcântara Machado (1901- 1935)
- Cassiano Ricardo (1895-1974)
- Menotti del Picchia (1892-1988)
- Guilherme de Almeida (1890-1969)
O pilar do Modernismo, em seu primeiro momento, sem dúvida, foi o trio formado por Mário, Oswald e Bandeira, representando a mais coerente continuidade com os postulados de 22. Dentre esses, o mais plural foi o último, que conseguiu transitar do lirismo comedido, tantas vezes autopiedoso, à transgressão estética, com familiaridade ímpar entre ambos.
O marco cronológico da geração heroica, para efeitos didáticos, é o ano de 1930, quando Drummond inicia uma poética de novos elementos modernistas. Entretanto, é possível surpreender no percurso da arte brasileira diálogos posteriores com a geração de 22, como, claramente, se vê, décadas depois, na música, no movimento Tropicália.

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